quarta-feira, 25 de junho de 2014

Da janela de casa

            Estou de casa nova já faz um ano. Desde então, pouco olhei pela janela. Não sou curiosa com os quadradinhos vizinhos, não conheço as sombras no muro à frente, não me familiarizei com o sinal de trânsito na esquina. De quanto em quanto tempo ele abre e fecha? Mal reparo nos galhos da árvore, quase extensão de casa – será que abrigam ninhos de passarinho? Durante o dia, será que morcegos se penduram nela, sonos de ponta cabeça? Na quina da janela, tem uma pracinha, mas pouco me delicio com pedaços de pernas e de vozes – pedaços de vida!  - que brincam por lá.
       Na minha casa antiga, onde cresci, meu espaço preferido era a varanda. Testemunha de intermináveis divagações, lá era meu refúgio sempre que algo me inquietava. Deitava na rede e, com esperanças adolescentes, mirava o Cristo Redentor, ilustre vizinho, a espera por respostas. E não é que elas sempre vinham? Conhecia bem as árvores. Quando uma era podada, estranhava a nova paisagem. Observava as casas ao redor e me perguntava como eram por dentro. Apreciava a dança dos pássaros, e imaginava que os galhos eram ruas e as árvores, cidades. Teve uma época em que cheguei mesmo a abrigar em casa um pequeno passarinho, nascido na varanda e de asas ainda vacilantes.
            Ah! Como era bom o tempo em que sabíamos a arte do não fazer nada! Em assuntos de ócio, a criança é mestre maior. Já hoje... até a preguiça é paga e se chama férias na Bahia, uma vez por ano e olhe lá. Mas e cadê o ócio de casa? Não aquele da TV, que hipnotiza e embriaga, mas sim o da janela, que apazigua e dá respostas? Da varanda onde cresci, já não consigo distinguir a mim de meus devaneios ao pé do Cristo – eles constituem uma parte importante do que sou hoje. É preciso o vazio para que dele saltem estrelas.
            Lembro-me da primeira vez em que entrei no meu atual apartamento. Assim que cheguei ao quarto, a janela me ofuscou tanto a vista que não reparei em mais nada. Imponente, ela é dessas que não se fazem mais hoje em dia: sua extensão toma uma parede inteira; em altura, o teto é o limite. Do lado de lá, uma Amendoeira cor de Brasil quase invade o quarto, enquanto suas folhas sussurram um pedido de amizade: seria ela minha nova confidente?

            Hoje, um ano depois, são tantos os afazeres que pouco me sobra para não fazer nada. E o olhar de criança, esquecimento de si e abertura para o mundo, muitas vezes fica guardadinho para momentos de maior saúde e sanidade. Às vezes, em manhãs sem despertador ou sobrancelha franzida, ele dá o ar de sua graça. Ainda deitada na cama, espreguiço-me até a ponta do mundo e, com a barriga dos dedos, puxo a cortina e espio o dia. Por entre os verdes de minha amiga Amendoeira, entrevejo retalhos azuis, desses que prometem alegria. Suas folhas brilham pedaços de sol. Com carinho, me cutucam: “Ei, você! Tem criança aí dentro!”.