segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Passatempo

Enquanto é tempo
O tempo é tanto
Que sobra tempo.

Eu grito aos ventos
Nos dedos, um tormento
O tempo é muito lento!

Mas o quê?, me diz o tempo
Fecha a boca, acalma os dentes
Serei agora seu confidente

Eu não passo, nem veloz nem lento
Quem passa é você

Me aproveita enquanto é tempo!



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Polícia e ladrão

Ontem eu estava lá, no coração dos acontecimentos. Fui assim, despretensiosa, só pra ver o que ia acontecer. No caminho, uma imagem curiosa: meninos engraxavam os sapatos dos policiais. Afinal de contas, pensei, um uniforme bem alinhado e armas imponentes pedem sapatos bem lustrosos. Vai que aparece na Globo?



Quando cheguei na manifestação, me senti meio deslocada, sem conseguir acompanhar os tantos gritos de guerra e me sentindo um pouco velha pra galera que lá estava. Mas estava gostando do clima alegre, e poder mandar em alto e bom som o nosso queridinho ir tomar no cu foi o clímax da noite. Nos prédios, projeções sarcásticas sobre o Cabral. Nos postes, caricaturas do governador. No chão, cartazes bem fundamentados sobre muitos fatos esdrúxulos da nossa cidade. A galera sabia o que estava fazendo; tudo estava articulado.
Ao comando de “dá uma volta”, demos a volta no quarteirão. Moradores dos prédios nos apoiavam; afinal, nem todos por ali são “madames do Leblon”, como se gosta tanto de dizer, num certo preconceito às avessas. Mas, nessa volta, comecei a sentir uma mudança no clima, espécie de ventania a anunciar a tempestade que vem vindo. Do nada, muitos meninos apareceram, todos encapuzados. Quando digo meninos, não é por acaso: pelos olhos podia-se ver claramente que muitos deles não tinham sequer dezoito anos. Eram meninos de classe média, assim, que nem a gente mesmo. Atônitos, eles olhavam para os lados, como se esperassem o momento certo de agir, completamente alheios aos gritos de guerra da “galera careta”. “Isso vai dar merda”, pensei.
Terminada a volta no quarteirão, houve uma boa dispersão e eu aproveitei para me retirar também. Afinal, não havia mais nada a ser feito. Fui comer uma pizza por perto, sempre ao som dos helicópteros, e depois fui pra casa.
Ao chegar, qual não foi minha surpresa ao constatar a Ataulfo de Paiva, a apenas um quarteirão da minha casa, sendo tomada pelo fogo! Tive que pôr o som da TV no máximo, pois o barulho dos helicópteros do lado de fora era ensurdecedor.
Fiquei ali, olhando as imagens e sem saber o que pensar. Não queria repetir o eco da maioria, efeitos da mídia alienante. Eu repetia para mim mesma: “não, não são vândalos. Não, eles não estão estragando as manifestações. Não, eles não são infiltrados e nem vieram para saquear. Eles também são manifestantes, eles também não estão satisfeitos. Eles também vieram para fazer política”. Mas, ainda assim, ao olhar aquele cenário devastador, algo estava errado. Mas o quê?
É fácil, muito fácil, pensar que o problema está nesses “baderneiros”, que só vêm para estragar uma manifestação tão bonita. Por outro lado, também é muito fácil pôr a culpa nos policiais, igualmente vândalos. Numa espécie de “batata quente”, um joga a bola para o outro, enquanto todos dizem: “foi ele quem começou”.  Não me interessa, na verdade, quem começou: todos são efeitos e causas do mesmo Sistema.
Sistema de bolhas, eu diria. Cada um na sua: na sua escola, no seu trabalho, no seu bairro, no seu prédio, na sua família, no seu quarto. “Cada um no seu quadrado”: tosco lema de uma sociedade igualmente tosca. A coisa, aliás, é tão absurda que ditados como “o direito de um termina onde começa o do outro” passam a fazer sentido. Mas peraí: os direitos não eram pra ser expressões e construções de um coletivo? “O que é coletivo mesmo?”, já escuto as crianças de hoje perguntarem aos seus pais.
O problema desse “sistema de bolhas” é que ele é chato. Esvaziado de sentimentos e de experiências, ele carece de um entre: entre um “de menor” e um adolescente; entre um artista e um médico; entre um evangélico e um ateu; entre um manifestante e um policial.
Mas eis que, nessas manifestações, as bolhas de repente se rompem. Estudantes, curiosos, revoltados, pacíficos, jovens, velhos, policiais, governador: todos junto no mesmo barco, sem saber para onde remar. A coisa é desconcertante, a confusão é grande. Os problemas, antes escondidos (embora nem tanto), explodem, como uma ferida que de repente se abre.
É doloroso, sem dúvida, ver a sua cidade no dia seguinte com rastros de destruição. Porém dor é vida, e é isso o que faltava a todos nós. Fico a pensar naqueles meninos encapuzados. É bem provável que muitos deles nem sequer soubessem o que estavam fazendo, mas o mais importante, pelo menos para eles, estava finalmente lá: eles estavam enfim sentindo. Raiva, medo, coração batendo rápido, fôlego que se esvai. Reminiscências da infância, polícia e ladrão, correr até a garganta arder e as pernas desmancharem.






quarta-feira, 26 de junho de 2013

Não me venham com xurumelas

Não me venham com xurumelas de vândalos, de passeata pacífica, de bala de borracha. Também não me falem que o problema está na Dilma, no PT ou até no Feliciano (embora este tenha muitos problemas). Não quero escutar o hino nacional, pôr a mão no peito ou me tornar patriota. Quero ir ao que interessa.
E o que me interessa, de verdade, nessas manifestações? É que nelas correm VIDA. Sim, vida, simples assim. Aquela vida que não encontramos mais no nosso clean way of life. Trabalhar, comprar, comer, dormir. Comprar, comprar. Trabalhar, trabalhar. Cada um na sua bolha, na sua pequena comunidade de um. Todos povoados de solidão.
Mas daí vem 300 mil, 1 milhão, todos juntos. Existe um coletivo, vejam só! E a rua... Ah, a rua que era simples e rápido local de passagem, pulsa, vibra, ganha vida. A Presidente Vargas sai do seu redoma “trabalhar-comprar”, verdadeiro símbolo de um capitalismo inútil, e vira palco de outra coisa.
Mas palco de quê? De verdade, ninguém sabe ainda. Queremos algo que ainda não existe. E a maior prova disso é o antipartidarismo do negócio. Não se fala mais em esquerda, em direita, pois não faz mais sentido pensar assim. O que vivemos é uma crise do próprio modelo representacional, e isso a nível global. Outros movimentos estão aí para testemunhar: Occupy, manifestações decorrentes da crise europeia, manifestações na Turquia. A crise é grande, meus amigos. Já percebemos que esse modelo capitalista neoliberal, tão bom pra alguns e tão ruim pra quase todos, não dura mais muito tempo. Já vimos que esse modelo do “político que nos representa lááá no alto” é balela, pois o que ele representa de fato são as empreiteiras que o elegeram.
Nesse grande momento de crise, a confusão é enorme, como não poderia deixar de ser. Uns não querem parar de ir às ruas, mesmo sem saber direito o que reivindicar; são tantas coisas afinal! Outros pedem mais seriedade: vamos parar de tirar fotos de manifestações pro instagram, de piscar as luzes, e vamos nos organizar (como se na política não coubesse alegria!). Todos criticam o modelo, porém é a ele que recorremos ao pedirmos mais saúde, educação, CPI do ônibus ou não à PEC 37. É como se questionássemos a autoridade dos nossos pais para depois pedirmos a eles o carinho e o cuidado que nos são de direito. É claro que sou a favor de todas essas reivindicações, mas o que não podemos é perder de vista que o que acontece agora é muito maior do que uma CPI ou uma PEC. Não são 20 centavos; é o capital. Não são os políticos; é Brasília. Não é a esquerda ou a direita; é a política. O momento é rico, fervilhante demais. Mas é preciso cautela.
Prudência! O Brasil está de molho, em banho maria. Não se sabe ainda o que sairá desse forno. Pode sair algo delicioso, mas a cagada também pode ser grande. A mídia nos sonda pelos lados e pensa na melhor forma de dar o bote. A polícia faz a varredura de frente, no pior estilo fascista e terrorista. Os políticos nos olham de cima, arquitetando manobras sabe-se lá se ainda possíveis. E o fascista em cada um de nós... Ah, aí está o mais perigoso! Alguns quebram tudo, outros batem em quem quebra tudo, outros só sentem medo. Ao redor, polícia, polícia, polícia. E no fundo o eco do hino nacional, orgulho de ser brasileiro. Percebem o perigo? A ditadura, afinal, não faz tanto tempo.
Uma figura nisso tudo me incomoda particularmente: o tão temido vândalo. Quem é ele, afinal? A mídia tem colocado as coisas mais ou menos assim: há uma maioria pacífica de manifestantes, mas  há também uma minoria de vândalos, que só vem a estragar os movimentos. Como se os vândalos fossem algo de primitivo, de selvagem, e portanto destituídos de qualquer capacidade de se manifestar contra a atual ordem das coisas. Como se quebrar uma agência bancária ou um pardal de velocidade não fosse um ato político! Longe de mim defender a destruição do nosso patrimônio, porém o que não dá pra aceitar é um molde pronto do que seria uma manifestação ideal: todos de branco, gritando “sem violência”, numa linda passeata clean pela cidade. Mas peraí, onde está a vida nessa manifestação “à la rede Globo”? Cadê a raiva, que também nos é de direito? Ao contrário do que a mídia prega, o “vândalo” não está tão distante assim do que nós mesmos sentimos e reivindicamos. Ele está aí para nos lembrar de toda a raiva que insistimos em esconder. No final das contas, ninguém sabe muito bem o que fazer com ela.
Fico pensando em como estará nosso país daqui a 1 ou 2 anos. De verdade, não sei se a longo prazo os ecos se farão grandes o suficiente. No entanto, mesmo se não se fizerem, o importante é que é o Brasil quem denuncia agora ao mundo todo a falência do nosso modelo capitalista neoliberal. Talvez os nossos políticos não escutem, mas o mundo está ouvindo. Talvez os ecos da nossa manifestação despontem daqui a pouco em algum país longínquo, sob a forma de novas manifestações e crises.
De tantas dúvidas e confusões, uma coisa ao menos é certa: a semente foi plantada. Frágil, o que ela precisa agora é de muito cuidado: vamos regá-la com carinho e amá-la com toda a intensidade e voracidade que cabe num amor. Os espinhos já começam a aparecer, mas a flor... Ah, é pela flor que ansiamos um dia.


Fontes e referências:
- Facebook e as milhares de janelas que se abrem a partir dele.
- Vagabundos Iluminados

Foto do Pedro Chaves

segunda-feira, 27 de maio de 2013

E então eu (me) mudei


E então eu deixei para trás diários adolescentes, fotos de amores antigos, bilhetes de amigas, livros já lidos e relidos. Deixei para trás minha cama de criança, ursos de pelúcia, desenhos e anotações amareladas. À noite, não escuto mais meu pai tocando violão, e muito menos a tão esperada frase, sempre às oito em ponto: “o jantar tá na mesa!”. Não tenho mais meu irmão no quarto ao lado, e nem a minha melhor amiga me gritando da janela de cima. Também não tenho mais um rio (sim, um rio de verdade!), passando do lado de casa e embalando meus sonos de todas as noites.
Hoje já vejo essas páginas como capítulos de um livro lido até um certo ponto – o restante ainda está em branco. Sei – e sinto – muito bem o que deixei para trás, mas ainda desconheço o que me aguarda pela frente.
Os mais amargurados diriam: “daqui pra frente, só conta pra pagar, comida pra fazer, casa pra limpar. Casamento no começo é bom, mas depois esfria. Homem não ajuda em casa, vai se acostumando. Quando vem os filhos, a coisa piora. A mulher não tem tempo pra mais nada”. Palavras resignadas, frases prontas. E o famoso “não tem jeito” sempre lá, a tentar em vão amenizar a culpa de uma vida mal vivida.
Não, eu não quero frases prontas. Minha vida não são contas pra pagar. Também não quero as páginas gastas de um livro que já conheço de cor. Minha vida não é o conforto do jantar às oito.
Quero a vida das páginas em branco, dos diários rasgados, das fotos que ficam pra trás. Quero a doce lembrança do meu pai no violão, mas apenas por alguns minutos: depois o que eu quero são os novos barulhos, as novas músicas. Barulho do portão – é ele chegando!, da nova frase tão esperada: “querida, cheguei!”, do pássaro que sempre pia à noite, do caminhão de lixo que passa de madrugada, do burburinho das visitas. Quero o barulho da minha coluna estalando toda com o abraço dele, vértebra por vértebra, até eu desmanchar por inteiro nos seus braços.
Quero esses e outros barulhos. Mas não quero só barulhos. Também quero o silêncio da casa vazia, da minha casa, só pra mim. Quero pintar paredes, pregar quadros, comprar tapetes. Quero que meus pais provem o meu café.  Quero jantar às duas da manhã, inventar o que vou comer, o que vou limpar, o que vou bagunçar. Quero amigos no sofá, no chão, na cozinha. E que cheguem sem avisar. Quero também não querer nada, deitar e rolar, viver e ver no que dá.
E foi assim, aliás, meio sem querer nada, de mansinho, que hoje vejo no que deu: ganhei uma nova família. Família de dois, sem hierarquia, escolhida por mim e por ele. Família mutante, em eterna construção: tem vezes que devenho mulher, em outras devenho mãe, filha, criança, irmã, amiga. Tem vezes ainda que nem sei no que devenho – e, curioso!, são esses os melhores momentos.
Tem gente que junta tudo isso num saco só e diz, numa espécie de resumo prático: “pronto, você virou adulta”. Palavras de tijolo, em preto e branco, às quais eu prefiro opor: não, eu não virei adulta. Virei gente grande. E, ainda assim, só de vez em quando.


terça-feira, 16 de abril de 2013

Sempre lá


Desde pequena, é nos teus passos que sigo
Mais até, eu digo
Em você aprendi a andar
Passinhos nas calçadas, nas ladeiras,
Paralelepípedos com beira de matos
E você, aos meus pés, sempre lá

Lembro-me do esconde-esconde
De me achar, de me perder
E você, tal qual saia de mãe
Sempre lá, em muros e arbustos,
Pronta a me esconder.

Fui crescendo, e vejam só!
As mãos dadas – que mágica! - se foram
Agora eu andava sozinha, toda prosa, toda toda
Mas por entre frestas, grades e janelas,
Era você que eu espionava
E a quem eu perguntava:
Como podes, afinal, ser tão bela?
Deixa tua beleza de lado e me segreda teus mistérios?

Nas noites vazias, escuras
Sem estrelas, sem lua
A você eu pedia um abraço
E de longe, de uma luz só sua
De peito firme, de braços abertos,
Você acenava e me acalentava,
Calma, vai dar tudo certo.


Quantas aventuras e desventuras!
De pulmão cheio, eu gritava:
O mundo é meu! A cidade é minha!
Quero todos os amores, todas as noites, todas as vidas!
E, descalça, eu me molhava e corria e dançava
E você-  ah você - sempre lá,
Bem debaixo, logo em cima, em todo lugar.

Mas nem tudo eram amores
Também tinham os medos, as raivas, os dissabores
E, desgostosa, eu te xingava, sua tinhosa, perversa e preguiçosa!
Ainda vou fugir de ti, você vai ver só!
Vou pra bem longe, pra nunca mais, eu quero é paz.

Mas depois, logo depois, pros seus braços eu voltava
Afinal, pra que mentir
A bem da verdade, como fugir,
Se você sou eu, e eu sou você?
Minhas veias são tuas ruas
E elas juntas formam cidade.
Meu coração dá-lhe vida
E maravilhosa, ela palpita,
Plena de vida, sem piedade.