segunda-feira, 18 de abril de 2016

Desabafo

Quando escutei o primeiro “Queria mandar um beijo pra minha neta Ana que faz aniversário hoje”, confesso que gargalhei. Tipo aquela risada nervosa de vergonha alheia, sabe? Mas, voto após voto, o absurdo se repetia: era beijo pra neto, pra eleitor, pra filha, pra papagaio. Minha risada nervosa foi murchando e, de boca que esquece de fechar, assisti bizarrice atrás de bizarrice. Se fosse só assim, feito espetáculo de circo, até que tudo bem: seria meu programa de domingo à noite. O problema é que não era só um espetáculo (embora tivesse até quem jogasse confetes): era o futuro do nosso país, era quem nos governa, é o retrato do brasileiro.
Sim, do brasileiro. Afinal de contas, os deputados que mandavam beijo pros amigos e familiares, como se estivessem num show da Xuxa, não vieram da Dinamarca nem da Suécia. Eles são os mesmos que assistem ao Jornal Nacional e se dizem informados, que postam memes preconceituosos no facebook, que passam corrente sobre política no whatsapp jurando que é tudo verdade como se viesse do Além.
E é esse brasileiro - motorista de taxi, médico, engenheiro ou deputado – que não lê, que não estuda, que não lembra. Que só de escutar falar, já passa adiante. Que não sabe direito o que é política nem democracia, mas que acha bonito falar essas palavras grandes, principalmente quando já vêm em frases prontas.
Foi esse brasileiro que nos representou ontem, no show de bizarrices que me fez acordar ressaqueada. Um brasileiro que não tem a menor noção do que é público e do que é privado. Que se aproveita de um espaço e de um momento tão delicado em prol de interesses pessoais - como fazer propaganda eleitoral, fazer bonito com a igreja, mandar um beijo pra não sei quem.
Curiosamente, dos pouquíssimos que deram argumentos contundentes, quase todos eram contrários ao impedimento de Dilma. O que prova que das duas uma: ou quem votou a favor não fez direito o dever de casa de saber porque votava a favor; ou não existe mesmo motivo contundente que justifique o crime de responsabilidade e, portanto, o impeachment.
Se as falas não pareciam muito bem preparadas, o mesmo não se pode dizer das vestimentas: todo mundo de verde e amarelo, como mandava o figurino e a comemoração de depois. Já dizia, porém, um professor meu da época de faculdade: “Quando vocês verem muita gente com bandeira de país, se não for Copa ou Olimpíadas, desconfie”. É que, quando a gente defende demais uma instituição – um país, uma igreja, uma cidade, um jeito certo de família ser, um jeito certo de se relacionar -, automaticamente se exclui tudo o que não pertence a essa instituição. E então surge a xenofobia (os médicos cubanos que o digam), a intolerância religiosa, a homofobia, o racismo, o machismo etc. O fascismo vem daí, nadando entre fanatismos e preconceitos.
Pensando bem, não acordei ressaqueada por conta da decisão favorável ao impeachment de ontem. Agora vejo: o que me enojou foi ver tão de cara, tão cru e sem maquiagem, o retrato do brasileiro que se desenha hoje. Porém, mais do que tirar o Bolsonaro, Cunha ou Temer do poder (afinal de contas, que nem eles têm milhares de outros doidos pra chegar lá), o que me interessa pensar é: o que estamos fazendo (ou deixando de fazer) para que esse tipo de pensamento se propague e ganhe força? Em que tipo de fascismo entramos para que as nossas vontades sejam as mesmas de defensores da tortura e de oportunistas baratos?
Desculpem-me a falta de otimismo – juro que não sou assim todo dia. É que hoje acordei de ressaca e precisava pôr pra fora. Pronto, já me sinto melhor.