segunda-feira, 27 de maio de 2013

E então eu (me) mudei


E então eu deixei para trás diários adolescentes, fotos de amores antigos, bilhetes de amigas, livros já lidos e relidos. Deixei para trás minha cama de criança, ursos de pelúcia, desenhos e anotações amareladas. À noite, não escuto mais meu pai tocando violão, e muito menos a tão esperada frase, sempre às oito em ponto: “o jantar tá na mesa!”. Não tenho mais meu irmão no quarto ao lado, e nem a minha melhor amiga me gritando da janela de cima. Também não tenho mais um rio (sim, um rio de verdade!), passando do lado de casa e embalando meus sonos de todas as noites.
Hoje já vejo essas páginas como capítulos de um livro lido até um certo ponto – o restante ainda está em branco. Sei – e sinto – muito bem o que deixei para trás, mas ainda desconheço o que me aguarda pela frente.
Os mais amargurados diriam: “daqui pra frente, só conta pra pagar, comida pra fazer, casa pra limpar. Casamento no começo é bom, mas depois esfria. Homem não ajuda em casa, vai se acostumando. Quando vem os filhos, a coisa piora. A mulher não tem tempo pra mais nada”. Palavras resignadas, frases prontas. E o famoso “não tem jeito” sempre lá, a tentar em vão amenizar a culpa de uma vida mal vivida.
Não, eu não quero frases prontas. Minha vida não são contas pra pagar. Também não quero as páginas gastas de um livro que já conheço de cor. Minha vida não é o conforto do jantar às oito.
Quero a vida das páginas em branco, dos diários rasgados, das fotos que ficam pra trás. Quero a doce lembrança do meu pai no violão, mas apenas por alguns minutos: depois o que eu quero são os novos barulhos, as novas músicas. Barulho do portão – é ele chegando!, da nova frase tão esperada: “querida, cheguei!”, do pássaro que sempre pia à noite, do caminhão de lixo que passa de madrugada, do burburinho das visitas. Quero o barulho da minha coluna estalando toda com o abraço dele, vértebra por vértebra, até eu desmanchar por inteiro nos seus braços.
Quero esses e outros barulhos. Mas não quero só barulhos. Também quero o silêncio da casa vazia, da minha casa, só pra mim. Quero pintar paredes, pregar quadros, comprar tapetes. Quero que meus pais provem o meu café.  Quero jantar às duas da manhã, inventar o que vou comer, o que vou limpar, o que vou bagunçar. Quero amigos no sofá, no chão, na cozinha. E que cheguem sem avisar. Quero também não querer nada, deitar e rolar, viver e ver no que dá.
E foi assim, aliás, meio sem querer nada, de mansinho, que hoje vejo no que deu: ganhei uma nova família. Família de dois, sem hierarquia, escolhida por mim e por ele. Família mutante, em eterna construção: tem vezes que devenho mulher, em outras devenho mãe, filha, criança, irmã, amiga. Tem vezes ainda que nem sei no que devenho – e, curioso!, são esses os melhores momentos.
Tem gente que junta tudo isso num saco só e diz, numa espécie de resumo prático: “pronto, você virou adulta”. Palavras de tijolo, em preto e branco, às quais eu prefiro opor: não, eu não virei adulta. Virei gente grande. E, ainda assim, só de vez em quando.


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