E então, após muito perambular por terras baianas, finalmente chegamos
lá. Chegamos onde queríamos. Achamos o que procurávamos desde o início.
Pra chegar? Uma baita peregrinação. Lancha, ônibus, mais ônibus, barco,
trator. Um dia inteiro de estradas verdes e marrons, de paradas em lanchonetes
cheias de moscas e vazias de gente, de baldeações em estradas fantasmas,
carcomidas por poeiras e por um silêncio a-temporal. O ar cheirava a poeira
quente, enquanto o mar nos segredava promessas. Nas costas, o peso da mochila; à
frente, a leveza de simplesmente ser, de descobrir e de seguir adiante.
Depois dessa peregrinação sem fim, eis que finalmente chegamos ao nosso
destino. O lugar? Moreré, um pedacinho da ilha de Boipeba. A pousada? Canto do
Moreré, uma pequena reserva de mata atlântica, inteiramente preservada e
intermeada por algumas cabanas de palha. Sim, cabanas de palha. Nada de
bungalows, suítes ou chalés. Como o dono da pousada nos disse, o intuito deles
era o de preservar o habitat natural da ilha e reproduzir as antigas cabanas de
seus moradores, aliás nem tão antigas assim: há apenas 15 anos, tudo o que
havia em Moreré eram algumas cabanas de palha de pescadores locais.
Após chegarmos ao vilarejo, fomos conduzidos à pousada por um menino de
seus 6 ou sete anos, de pele preta, pés descalços e olhos ligeiros. Caminhamos
por uma rua de areia, com paredes e teto de mato. Aqui e ali, goteiras de céu e
de sol abriam pequenos buracos, desenhando no chão sombras que brilhavam.
“É por aqui”, ele nos disse, abrindo um portão que era aquele, mas que
podia ser qualquer outro. Entramos e olhamos em volta. Nada de recepção, de
papéis com avisos de check out ao meio-dia ou de folderes com cara de férias.
Apenas mato e cabanas. Seguimos em frente por uma trilha escura e misteriosa,
não porque procurávamos alguém, mas antes porque, nestas andanças infindáveis,
ir adiante era tudo o que então conseguíamos fazer.
No meio do caminho, a dona da pousada apareceu. Descalça, ela
camuflava-se por entre troncos e folhas secas, numa agilidade exclusiva de quem
já não distingue mais a sola dos pés da terra aonde pisa. Como toda criança,
ela tinha os pés no chão.
Mostrou-nos a cabana, por entre
inúmeras recomendações ecológicas, que iam desde “sejam ávaros com os recursos
da Terra”, até “não se assustem se vocês encontrarem pequenos ratinhos ou
animais peçonhentos”. Mas, de verdade, o que escutávamos eram ecos distantes.
Instante de um silêncio oco, oco eco, enquanto girávamos todinhos em 360˚:
pupilas, pescoços, cabeças, troncos. Era tanta coisa pra olhar, que a visão
atrofiou os outros sentidos.
Por entre galhos e areias e folhas e céus, erguia-se uma pequena cabana,
com um ar infantil de casa de árvore ou de João e Maria. Era uma casa de doces,
uma casa de sonhos. Do chão ao teto, as palhas erguiam o impossível, rodeadas por
folhas secas que farfalhavam e nos chiavam, sussurrantes: “o sonho tem cor
marrom”.
Deixamos nossos pesos no quarto e largamos pra trás os chinelos, com
sorrisos incrédulos de quem se julga num sonho. Largamos tudo e seguimos em
frente, rumo a um chiado rítmico, com gosto morno e cheiro de sal. Logo achamos
uma portinhola, escondida por entre um arco de folhas. Abrimos o portão – que
também podia ser qualquer outro – e avistamos um quadro: a moldura era verde e,
à frente, um mangue repousava sobre águas cristalinas e finos grãos de areia.
Demos dois passos e demos de cara com a praia, que era assim, como toda
praia deveria ser: silenciosa, límpida, ofuscante de vazios. Os donos da pousada – ele,
paulista; ela, gaúcha – estavam sentados na areia, fumando e contemplando o horizonte, numa terça-feira que bem poderia ser um sábado ou uma segunda.
Por um instante pensei: é assim que tudo deveria ser. E, nesse mesmo
instante, tudo fez sentido, naquele Um que era a praia, o casal, o céu, eu e
ele. O mundo inteiro estava ali.