Quando escutei o primeiro “Queria mandar um beijo pra minha neta Ana que
faz aniversário hoje”, confesso que gargalhei. Tipo aquela risada nervosa de
vergonha alheia, sabe? Mas, voto após voto, o absurdo se repetia: era beijo pra
neto, pra eleitor, pra filha, pra papagaio. Minha risada nervosa foi murchando
e, de boca que esquece de fechar, assisti bizarrice atrás de bizarrice. Se
fosse só assim, feito espetáculo de circo, até que tudo bem: seria meu programa
de domingo à noite. O problema é que não era só um espetáculo (embora tivesse
até quem jogasse confetes): era o futuro do nosso país, era quem nos governa, é
o retrato do brasileiro.
Sim, do brasileiro. Afinal de contas, os deputados que mandavam beijo
pros amigos e familiares, como se estivessem num show da Xuxa, não vieram da
Dinamarca nem da Suécia. Eles são os mesmos que assistem ao Jornal Nacional e
se dizem informados, que postam memes preconceituosos no facebook, que passam
corrente sobre política no whatsapp jurando que é tudo verdade como se viesse do
Além.
E é esse brasileiro - motorista de taxi, médico, engenheiro ou deputado –
que não lê, que não estuda, que não lembra. Que só de escutar falar, já passa
adiante. Que não sabe direito o que é política nem democracia, mas que acha
bonito falar essas palavras grandes, principalmente quando já vêm em frases
prontas.
Foi esse brasileiro que nos representou ontem, no show de bizarrices que
me fez acordar ressaqueada. Um brasileiro que não tem a menor noção do que é
público e do que é privado. Que se aproveita de um espaço e de um momento tão
delicado em prol de interesses pessoais - como fazer propaganda eleitoral, fazer
bonito com a igreja, mandar um beijo pra não sei quem.
Curiosamente, dos pouquíssimos que deram argumentos contundentes, quase
todos eram contrários ao impedimento de Dilma. O que prova que das duas uma: ou
quem votou a favor não fez direito o dever de casa de saber porque votava a favor;
ou não existe mesmo motivo contundente que justifique o crime de
responsabilidade e, portanto, o impeachment.
Se as falas não pareciam muito bem preparadas, o mesmo não se pode dizer
das vestimentas: todo mundo de verde e amarelo, como mandava o figurino e a
comemoração de depois. Já dizia, porém, um professor meu da época de faculdade:
“Quando vocês verem muita gente com bandeira de país, se não for Copa ou
Olimpíadas, desconfie”. É que, quando a gente defende demais uma instituição –
um país, uma igreja, uma cidade, um jeito certo de família ser, um jeito certo
de se relacionar -, automaticamente se exclui tudo o que não pertence a essa
instituição. E então surge a xenofobia (os médicos cubanos que o digam), a
intolerância religiosa, a homofobia, o racismo, o machismo etc. O fascismo vem
daí, nadando entre fanatismos e preconceitos.
Pensando bem, não acordei ressaqueada por conta da decisão favorável ao
impeachment de ontem. Agora vejo: o que me enojou foi ver tão de cara, tão cru
e sem maquiagem, o retrato do brasileiro que se desenha hoje. Porém, mais do
que tirar o Bolsonaro, Cunha ou Temer do poder (afinal de contas, que nem eles
têm milhares de outros doidos pra chegar lá), o que me interessa pensar é: o
que estamos fazendo (ou deixando de fazer) para que esse tipo de pensamento se
propague e ganhe força? Em que tipo de fascismo entramos para que as nossas vontades
sejam as mesmas de defensores da tortura e de oportunistas baratos?
Desculpem-me a falta de otimismo – juro que não sou assim todo dia. É que
hoje acordei de ressaca e precisava pôr pra fora. Pronto, já me sinto melhor.