Apressada, minha crise dos 30 se insinuou aos 28, junto com os primeiros
fios brancos e uma receita de creminho antirrugas. “Sua pele é muito fina”, decretou sem cerimônias a dermatologista, “temos que cuidar desse pé de galinha”.
Cheguei no consultório falando de espinhas; saí com um prognóstico fatal na
pele e amostras de colágeno na bolsa.
A receita trouxe consigo uma séria questão: comprar o creminho seria um
caminho sem volta. Creminho, aliás, era eufemismo: importado, custava uma
pequena fortuna. Somei, mentalmente, o valor de todos os creminhos que
compraria a partir de então, travando uma batalha que, mais cedo ou mais tarde,
sairia perdedora. Triunfante, escondi a receita numa pasta: não iniciar a luta
era, de alguma forma, sair ganhando.
Ainda não cedi ao creminho – nem à tinta nos cabelos. É um tanto
estranho, mas admito: os fios brancos me trazem certo prazer. Reluzindo
histórias pra contar, cada fio traz à tona uma época vivida: entrada na
faculdade, primeiro amor, saída de casa, primeiro emprego. Rebobino os 20 como
quem lembra uma viagem - única porque minha. Ao invés de catar moedas e comprar
creminhos, meus pés de galinha olharam as estrelas: quais viagens me esperam
nessa fase que se inicia?
Mas as rugas e os fios alvos foram só parte da crise. Visível e
concreta, talvez por isso mais fácil de lidar. Sinto essa geração de mulheres se
beneficiar do feminismo que pipoca hoje: nossos corpos começam a sair do
domínio público, pra ganhar a esfera privada. Da máxima “homem de cabelo
branco é charmoso; já mulher, é bruxa”, vejo despontar mais e mais grisalhas
estilosas e donas de seus cabelos. Mas isso é papo pra outra história.
Já a outra parte da crise, como ia falando, foi bem mais insossa. Passei
os 29 com gosto de boca mordida, ruminando os medos da década que batia à
porta. Sabe aquela gaveta bagunçada, que você sempre deixa pra arrumar depois?
Pois é, essa gaveta era os 30. Menina, imaginava-me uma trintona de salto alto,
planejando o segundo filho e indo trabalhar numa nave dos Jetsons. Mas lá estava eu com 29: de allstar, dando duro pra alimentar dois
gatos, e indo pra labuta cheia de dúvidas na cestinha da bicicleta.
Foi, porém, a menina de allstar,
e não a mulher de salto, quem juntou forças e arrumou a gaveta. Joguei fora o
que já não me servia, botei pra jogo o que tinha de mais precioso e, numa
caixinha não muito grande, não muito pequena, guardei as dúvidas como quem
guarda fotos e cartas – consciente de nelas haver um quê de poesia.
Hoje, já de gaveta arrumada, qual não foi minha alegria ao deparar-me
comigo mesma. Dos 30, não veio a outra, com respostas na bolsa de marca e
longos cabelos soltos. A mulher que surgiu fui eu própria, com algumas dúvidas
na bicicleta e outras certezas no coque bagunçado.