terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

30

Apressada, minha crise dos 30 se insinuou aos 28, junto com os primeiros fios brancos e uma receita de creminho antirrugas. “Sua pele é muito fina”, decretou sem cerimônias a dermatologista, “temos que cuidar desse pé de galinha”. Cheguei no consultório falando de espinhas; saí com um prognóstico fatal na pele e amostras de colágeno na bolsa.
A receita trouxe consigo uma séria questão: comprar o creminho seria um caminho sem volta. Creminho, aliás, era eufemismo: importado, custava uma pequena fortuna. Somei, mentalmente, o valor de todos os creminhos que compraria a partir de então, travando uma batalha que, mais cedo ou mais tarde, sairia perdedora. Triunfante, escondi a receita numa pasta: não iniciar a luta era, de alguma forma, sair ganhando.
Ainda não cedi ao creminho – nem à tinta nos cabelos. É um tanto estranho, mas admito: os fios brancos me trazem certo prazer. Reluzindo histórias pra contar, cada fio traz à tona uma época vivida: entrada na faculdade, primeiro amor, saída de casa, primeiro emprego. Rebobino os 20 como quem lembra uma viagem - única porque minha. Ao invés de catar moedas e comprar creminhos, meus pés de galinha olharam as estrelas: quais viagens me esperam nessa fase que se inicia?
Mas as rugas e os fios alvos foram só parte da crise. Visível e concreta, talvez por isso mais fácil de lidar. Sinto essa geração de mulheres se beneficiar do feminismo que pipoca hoje: nossos corpos começam a sair do domínio público, pra ganhar a esfera privada. Da máxima “homem de cabelo branco é charmoso; já mulher, é bruxa”, vejo despontar mais e mais grisalhas estilosas e donas de seus cabelos. Mas isso é papo pra outra história.
Já a outra parte da crise, como ia falando, foi bem mais insossa. Passei os 29 com gosto de boca mordida, ruminando os medos da década que batia à porta. Sabe aquela gaveta bagunçada, que você sempre deixa pra arrumar depois? Pois é, essa gaveta era os 30. Menina, imaginava-me uma trintona de salto alto, planejando o segundo filho e indo trabalhar numa nave dos Jetsons. Mas lá estava eu com 29: de allstar, dando duro pra alimentar dois gatos, e indo pra labuta cheia de dúvidas na cestinha da bicicleta.
Foi, porém, a menina de allstar, e não a mulher de salto, quem juntou forças e arrumou a gaveta. Joguei fora o que já não me servia, botei pra jogo o que tinha de mais precioso e, numa caixinha não muito grande, não muito pequena, guardei as dúvidas como quem guarda fotos e cartas – consciente de nelas haver um quê de poesia.
Hoje, já de gaveta arrumada, qual não foi minha alegria ao deparar-me comigo mesma. Dos 30, não veio a outra, com respostas na bolsa de marca e longos cabelos soltos. A mulher que surgiu fui eu própria, com algumas dúvidas na bicicleta e outras certezas no coque bagunçado.




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