quarta-feira, 23 de abril de 2014

Livros, bambinos e Itália

Como toda aventura, esta começou com uma curiosidade, dessas típicas das almas quando se pretendem investigadoras. Diariamente, conto histórias para crianças, todas brasileirinhas e engatinhando no novo velho português. Como seria, porém, contar histórias nossas para bambinos do Velho Continente? Seus olhinhos brilhariam, como brilham os daqui? Como seus pequenos ouvidos receberiam o português? Como um carinho? Ou um zumbido de mosquito?
Nosso mergulho nas águas dos contos infantis começou na Feira do Livro Infantil de Bolonha. De lá, partimos para Florença com uma pequena grande missão: contar histórias. Nosso grupo, bem variado e um tanto exótico, era uma boa imagem da mistureba brasileira. Sob as asas de nossa querida professora de Literatura Infantil, Ninfa Parreiras, arriscamos nossos primeiros voos, cada um à sua maneira. Tinha escritor, ilustrador, gente nova, gente velha... Gente do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, da Amazônia, de Brasília...
A aventura começou na Bibliotecanova Isolotto, biblioteca pública referência para o povo de lá. Para nós, reservaram a sala de livros infantis, com direito a teclados coloridos, cataventos de papel e engenhocas de sucata. Aliás, um parênteses: cada dia vejo mais que às concepções de criança em cada país correspondem os espaços dedicados a elas. Por lá, criança é sujeito que lê, pensa, constrói. Portanto, cabe a ela não somente lugares de entretenimento ou de consumo, mas também, e arrisco-me a dizer principalmente, espaços de reflexão e de construção de si e do mundo.
Aos poucos, a Biblioteca foi enchendo de tudo quanto é gente. Tinha brasileiro curioso, brasileiro escritor, funcionários da biblioteca, mães e, é claro, muitos bambinos. Começamos nos apresentando, arriscando-nos num italiano rudimentar, como forma de agradecimento e simpatia aos que tão calorosamente nos receberam em sua terra. Em seguida, mergulhamos no universo consagrado da literatura infantil brasileira, com leituras e traduções de monstros como Lygia Bojunga, Ruth Rocha, Joel Rufino dos Santos, Roger Mello, Ziraldo e Marina Colasanti.

Ninfa Parreiras, Otávio Júnior, eu, Ruth Leite e Agostinho Ornellas, na Bibliotecanova Isolotto

Nossa fala terminou com um baita presente: Roger Mello, vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen de Ilustração em Bolonha deste ano, o Nobel da Literatura Infantil, estava lá e deu uma palhinha do seu dom. Munido de um pilot preto, começou com simples traços, instigando adivinhações do público mirim. “São montanhas! É uma boca! São orelhas de um coelho!”, arriscavam. Terminado o desenho, um conjunto de bocas escancaradas sob a forma de peixes e tubarões, Roger convocou as crianças, justificando-se: “é que não gosto de desenhar sozinho”. Por entre cotoveladas, os bambinos lutavam por um pequeno espaço no papel, dando à obra vida, muitas cores e diferentes histórias. Ufa, que noite!

Roger Mello, o desenho e as crianças

No dia seguinte, a saga continuou, dessa vez numa livraria infantil, a Libreria Cuccumeo. Aliás, que graça de lugar! Em cada cantinho, um livro, uma história, um aconchego. Era um desses lugares que não dá vontade de ir embora. A livraria lotou, mal tinha espaço para os contadores de histórias. Apesar do espaço apertado, da estranheza da língua e das diferentes idades, os olhinhos mal piscavam ao escutarem brasilidades sob a forma de histórias.

Ninfa Parreiras, eu e nossa tradutora, Adriana Cabral


A impressão que ficou? Tantas horas de voo, tantos euros gastos, tudo rapidamente compensado pelos olhares italianos de encanto e fascínio. Que língua era aquela que sambava, esquentava e aumentava, em ritmo de tambor? Mas que também ninava, sussurrava e diminuía, em ritmo de violão? Língua musicada, língua gestual, que a diretora da Biblioteca logo notou: “Vocês falam com o corpo, enquanto nós falamos com a boca”. Às nossas falas, seguiam as traduções de uma simpática amiga, meio brasileira, meio italiana. E, às traduções, seguiam os inevitáveis sorrisos, desses que uma Bolsa Amarela ou um Menino Maluquinho sempre arrancam. Porque literatura boa é assim: atravessa mares, culturas e gerações. Diz de todos e de cada um de nós.




Nenhum comentário:

Postar um comentário