terça-feira, 21 de julho de 2015

Restos de alegria

Muito orgulhosa com minha primeira ilustração! Foi para a capa de um conto para o Brasil em Prosa, concurso de contos do Globo em parceria com a Amazon. Tive a grande ajuda do Pedro Chaves, que fez o design da capa, a partir da ilustração:



Pra quem tiver a curiosidade de ler o conto e avaliar, o link é esse a seguir:

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Vamos de limeriques?

o sapo fazia polichinelo                       
vestia lã e calçava chinelo
uma minhoca
comia paçoca
viu o sapo e gargalhou farelo


remédio pra tudo é poesia
se juntar o vinho ou a sangria
cura dor de dente
paixão adolescente
piriri, mau olhado, gripe e azia


o vovô já era pra lá de caduco
quis provar que não tava maluco
foi jogar baralho
com o espantalho
esqueceu a regra e perdeu no truco

domingo, 18 de janeiro de 2015

Pelo menos algo aconteceu

Após um sábado de praia no Leblon, vou ao Zona Sul à procura de guloseimas para a noite. Biquíni por baixo do vestido molhado, Havaianas, pés de areia, cabelo molhado e bagunçado. Na fila de frios, uma mulher à minha frente compartilhava dos mesmos trajes.
- A praia de hoje tava muito quente, né? – ela começa o papo. Toda fila no Rio de Janeiro, afinal, tem que ter um assunto em comum, de preferência sobre o tempo.
Após concordar, ela continua:
- Até a água tava quente demais! Não dava pra refrescar. Acabei passando mal de calor e fui embora.
Concordei mais uma vez, dessa vez um pouco pasma: a praia dela fora definitivamente diferente da minha. Mar caribenho, de ver a unha do pé. Sombra e mate com limão. Boa companhia e um bom livro. Essa tinha sido a minha praia. Mas tudo bem, consenti. Para milhares de cariocas e turistas ao longo da orla de Ipanema e Leblon, correspondem milhares de praias.
- Mas pelo menos.... Ela continuou, relatando-me uma história sobre um pivete que roubara o cordão de um amigo. – Aí ele correu atrás do pivete e, quando alcançou, bateu muito nele. Juntaram uns quinze homens em volta e, se a polícia não tivesse chegado logo, teriam matado o pivete de porrada – Seus olhos brilhavam.
Visivelmente, ela ainda estava contagiada pelo ocorrido. A praia dela fora esse acontecimento, que se esticava agora à fila do supermercado. Ao não me ver compartilhar de seu entusiasmo, ela ainda disse, já um pouco reflexiva:
- Acho que tá todo mundo já de saco cheio dessas coisas... A gente tem que tomar muito cuidado. – Após essa advertência final, nos despedimos.
O que me chamou atenção nesse breve encontro não foi a história em si, infelizmente já tão banal e costumeira. Para não atiçar ânimos exaltados e justiceiros, prefiro nem adentrar seus pormenores. O que me saltou aos ouvidos foi a forma de iniciar o relato: “Mas pelo menos...”.
Mas pelo menos algo aconteceu na praia. Pelo menos, ela tinha uma história para contar. Numa época de infinitos entretenimentos, fica difícil nos contentarmos com uma simples praia; precisamos de acontecimentos cada vez mais incríveis para que, através de relatos infindos, consigamos significar e entender ao menos um pouquinho do que nos ocorre.
As possibilidades são inesgotáveis: praia, cinema, show, cachoeira, trilha, restaurante, bar, boate. Entre um programa e outro, no taxi, no ônibus ou no carro, ferramentas como instagram, facebook e whatsapp nos ajudam a assimilar turbilhões de acontecimentos, para nós e para os outros.
O problema é que imagens, por si só, não bastam. Frases curtas, tampouco. Pulamos de um entretenimento ao outro sem significar o que vivenciamos. E aí, no final de semana seguinte, sequer lembramos o que fizemos no anterior. Você lembra?
Os smartphones vieram para erradicar de vez o tempo do ócio. Aquele tempo em que olhávamos a paisagem da janela do carro, ou que andávamos na rua com mãos livres e cabeça vazia. Quantas vezes já me flagrei na pressa e, ao lembrar-me de um e-mail não enviado, me acalmei, pensando: no caminho para o ponto de ônibus mando do celular.
Porém, no tempo da otimização absoluta do tempo, esquecemos do fundamental: precisamos do vazio, do esquecer-se das horas, para criar. E sequer digo de criar poemas, romances ou quadros. Falo de criar nossa própria vida. De significar o que nos acontece. De trazer para dentro de nós um pouco do turbilhão de fora, enriquecendo-nos e crescendo enquanto indivíduo.
E aí você pergunta: mas o que isso tudo tem a ver com a mulher da fila do supermercado? Tudo, eu respondo. Na ausência de ferramentas internas para assimilar o que nos ocorre, sofremos da ausência de nós mesmos. E, nesse vazio angustiante, ansiamos por acontecimentos cada vez mais incríveis e paisagens cada vez mais estonteantes, para que assim, quem sabe, algo chegue até a gente.

Pelo menos algo aconteceu naquele dia. Em seu sábado de praia, o entretenimento da mulher fora o espancamento do pivete. Era essa a história que ela tinha para contar. História impactante o suficiente para que, entre tapas e chutes, algo dela chegasse até a mulher, anestesiando um pouco seu vazio de acontecimentos. Naquela tarde, me compadeci pela pobreza dos que assistiam ao espetáculo.


sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Carta ao Ano Novo

Ano novo é como uma página em branco. Dá uma agonia... Reluzente a doer a vista, lá vai ele a nos provocar: “E agora, qual fonte você vai usar? Não vá me dizer Times New Roman de novo... E qual cor? Promete sair do pretinho básico, ao menos de vez em quando?”. Para responder às cobranças de sempre, dessa vez escrevi uma carta.

“Querido ano novo,

Como é difícil olhar de frente para você! Encaro a tela em branco há horas, sem encontrar as palavras com as quais te dirigir. São as primeiras letras do ano, e desconheço suas cores e fontes.
Não quero camuflar sua importância, Sr. Ano Novo, com metas e promessas. Seria quase uma blasfêmia. Uma forma de não te olhar na cara. Pois ambos sabemos – eu e você – que não sou eu a dona do pedaço.
Todo ano, escrevo listas, tão logo esquecidas. Item por item, todos atropelados. Avalanche de Vida, é isso o que o Senhor é. O que são meus votos para 2015 frente à potência dos seus ventos?
Se me permite, Sr. Ano Novo, peço olhos para fora. Quero observar a fonte de cada letra escrita. Quais são as cores de suas palavras faladas? Também desejo ouvidos para o amanhã. De quando em vez, sussurra-me seus segredos? E, se eu adoecer de palavras, acaricie-me com seus silêncios?
Presenteie-me também com um coração bem turrão. Pronto para porrada, mas sobretudo para o amor. Porque é preciso mais força para admirar um passarinho no asfalto do que para aguentar as alfinetadas nossas de cada dia.
 Peço pulmões fortes, Sr. Ano Novo, para mergulhar fundo em seu fluxo de palavras. Corrente de letras e mais letras, escarradas sempre à frente. Me dê fôlego para acompanhá-las de perto e sabedoria pra perceber quando eu estiver muito para trás.
Porém, mais que pedir, desejo agradecer. Porque o senhor é a Vida, outra vez a renovar. Para 2015, meu voto é um só: vamos de mãos dadas?

Da sua,
Luisa"


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Mapas

Mapas não rasgam nas pontas
E sim por dentro.
No emaranhado de suas entradas,
De tanto cutucar,
Entranhas furam bem no meio.
Existe algo mais citadino?

Pelas ruas, sou GPS
Eu, um ponto,
O destino, outro.
Calculo distâncias, quadras, metros
Guardo a matemática

Pras desimportâncias da vida.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Da janela de casa

            Estou de casa nova já faz um ano. Desde então, pouco olhei pela janela. Não sou curiosa com os quadradinhos vizinhos, não conheço as sombras no muro à frente, não me familiarizei com o sinal de trânsito na esquina. De quanto em quanto tempo ele abre e fecha? Mal reparo nos galhos da árvore, quase extensão de casa – será que abrigam ninhos de passarinho? Durante o dia, será que morcegos se penduram nela, sonos de ponta cabeça? Na quina da janela, tem uma pracinha, mas pouco me delicio com pedaços de pernas e de vozes – pedaços de vida!  - que brincam por lá.
       Na minha casa antiga, onde cresci, meu espaço preferido era a varanda. Testemunha de intermináveis divagações, lá era meu refúgio sempre que algo me inquietava. Deitava na rede e, com esperanças adolescentes, mirava o Cristo Redentor, ilustre vizinho, a espera por respostas. E não é que elas sempre vinham? Conhecia bem as árvores. Quando uma era podada, estranhava a nova paisagem. Observava as casas ao redor e me perguntava como eram por dentro. Apreciava a dança dos pássaros, e imaginava que os galhos eram ruas e as árvores, cidades. Teve uma época em que cheguei mesmo a abrigar em casa um pequeno passarinho, nascido na varanda e de asas ainda vacilantes.
            Ah! Como era bom o tempo em que sabíamos a arte do não fazer nada! Em assuntos de ócio, a criança é mestre maior. Já hoje... até a preguiça é paga e se chama férias na Bahia, uma vez por ano e olhe lá. Mas e cadê o ócio de casa? Não aquele da TV, que hipnotiza e embriaga, mas sim o da janela, que apazigua e dá respostas? Da varanda onde cresci, já não consigo distinguir a mim de meus devaneios ao pé do Cristo – eles constituem uma parte importante do que sou hoje. É preciso o vazio para que dele saltem estrelas.
            Lembro-me da primeira vez em que entrei no meu atual apartamento. Assim que cheguei ao quarto, a janela me ofuscou tanto a vista que não reparei em mais nada. Imponente, ela é dessas que não se fazem mais hoje em dia: sua extensão toma uma parede inteira; em altura, o teto é o limite. Do lado de lá, uma Amendoeira cor de Brasil quase invade o quarto, enquanto suas folhas sussurram um pedido de amizade: seria ela minha nova confidente?

            Hoje, um ano depois, são tantos os afazeres que pouco me sobra para não fazer nada. E o olhar de criança, esquecimento de si e abertura para o mundo, muitas vezes fica guardadinho para momentos de maior saúde e sanidade. Às vezes, em manhãs sem despertador ou sobrancelha franzida, ele dá o ar de sua graça. Ainda deitada na cama, espreguiço-me até a ponta do mundo e, com a barriga dos dedos, puxo a cortina e espio o dia. Por entre os verdes de minha amiga Amendoeira, entrevejo retalhos azuis, desses que prometem alegria. Suas folhas brilham pedaços de sol. Com carinho, me cutucam: “Ei, você! Tem criança aí dentro!”.