Não me venham com xurumelas de vândalos, de passeata pacífica, de bala
de borracha. Também não me falem que o problema está na Dilma, no PT ou até no
Feliciano (embora este tenha muitos problemas). Não quero escutar o hino nacional,
pôr a mão no peito ou me tornar patriota. Quero ir ao que interessa.
E o que me interessa, de verdade, nessas manifestações? É que nelas
correm VIDA. Sim, vida, simples assim. Aquela vida que não encontramos mais no
nosso clean way of life. Trabalhar,
comprar, comer, dormir. Comprar, comprar. Trabalhar, trabalhar. Cada um na sua
bolha, na sua pequena comunidade de um. Todos povoados de solidão.
Mas daí vem 300 mil, 1 milhão, todos juntos. Existe um coletivo, vejam
só! E a rua... Ah, a rua que era simples e rápido local de passagem, pulsa,
vibra, ganha vida. A Presidente Vargas sai do seu redoma “trabalhar-comprar”,
verdadeiro símbolo de um capitalismo inútil, e vira palco de outra coisa.
Mas palco de quê? De verdade, ninguém sabe ainda. Queremos algo que
ainda não existe. E a maior prova disso é o antipartidarismo do negócio. Não se
fala mais em esquerda, em direita, pois não faz mais sentido pensar assim. O
que vivemos é uma crise do próprio modelo representacional, e isso a nível
global. Outros movimentos estão aí para testemunhar: Occupy, manifestações decorrentes da crise europeia, manifestações
na Turquia. A crise é grande, meus amigos. Já percebemos que esse modelo
capitalista neoliberal, tão bom pra alguns e tão ruim pra quase todos, não dura
mais muito tempo. Já vimos que esse modelo do “político que nos representa lááá
no alto” é balela, pois o que ele representa de fato são as empreiteiras que o
elegeram.
Nesse grande momento de crise, a confusão é enorme, como não poderia
deixar de ser. Uns não querem parar de ir às ruas, mesmo sem saber direito o
que reivindicar; são tantas coisas afinal! Outros pedem mais seriedade: vamos
parar de tirar fotos de manifestações pro instagram,
de piscar as luzes, e vamos nos organizar (como se na política não coubesse alegria!).
Todos criticam o modelo, porém é a ele que recorremos ao pedirmos mais saúde,
educação, CPI do ônibus ou não à PEC 37. É como se questionássemos a autoridade
dos nossos pais para depois pedirmos a eles o carinho e o cuidado que nos são de
direito. É claro que sou a favor de todas essas reivindicações, mas o que não
podemos é perder de vista que o que acontece agora é muito maior do que uma CPI
ou uma PEC. Não são 20 centavos; é o capital. Não são os políticos; é Brasília.
Não é a esquerda ou a direita; é a política. O momento é rico, fervilhante
demais. Mas é preciso cautela.
Prudência! O Brasil está de molho, em banho maria. Não se sabe ainda o
que sairá desse forno. Pode sair algo delicioso, mas a cagada também pode ser
grande. A mídia nos sonda pelos lados e pensa na melhor forma de dar o bote. A
polícia faz a varredura de frente, no pior estilo fascista e terrorista. Os
políticos nos olham de cima, arquitetando manobras sabe-se lá se ainda
possíveis. E o fascista em cada um de nós... Ah, aí está o mais perigoso!
Alguns quebram tudo, outros batem em quem quebra tudo, outros só sentem medo.
Ao redor, polícia, polícia, polícia. E no fundo o eco do hino nacional, orgulho
de ser brasileiro. Percebem o perigo? A ditadura, afinal, não faz tanto tempo.
Uma figura nisso tudo me incomoda particularmente: o tão temido vândalo.
Quem é ele, afinal? A mídia tem colocado as coisas mais ou menos assim: há uma
maioria pacífica de manifestantes, mas há também uma minoria de vândalos, que
só vem a estragar os movimentos. Como se os vândalos fossem algo de primitivo,
de selvagem, e portanto destituídos de qualquer capacidade de se manifestar
contra a atual ordem das coisas. Como se quebrar uma agência bancária ou um
pardal de velocidade não fosse um ato político! Longe de mim defender a
destruição do nosso patrimônio, porém o que não dá pra aceitar é um molde
pronto do que seria uma manifestação ideal: todos de branco, gritando “sem
violência”, numa linda passeata clean
pela cidade. Mas peraí, onde está a vida nessa manifestação “à la rede Globo”?
Cadê a raiva, que também nos é de direito? Ao contrário do que a mídia prega, o
“vândalo” não está tão distante assim do que nós mesmos sentimos e
reivindicamos. Ele está aí para nos lembrar de toda a raiva que insistimos em
esconder. No final das contas, ninguém sabe muito bem o que fazer com ela.
Fico pensando em como estará nosso país daqui a 1 ou 2 anos. De verdade,
não sei se a longo prazo os ecos se farão grandes o suficiente. No entanto,
mesmo se não se fizerem, o importante é que é o Brasil quem denuncia agora ao
mundo todo a falência do nosso modelo capitalista neoliberal.
Talvez os nossos políticos não escutem, mas o mundo está ouvindo. Talvez os
ecos da nossa manifestação despontem daqui a pouco em algum país
longínquo, sob a forma de novas manifestações e crises.
De tantas dúvidas e confusões, uma coisa ao menos é certa: a semente foi
plantada. Frágil, o que ela precisa agora é de muito cuidado: vamos regá-la com
carinho e amá-la com toda a intensidade e voracidade que cabe num amor. Os
espinhos já começam a aparecer, mas a flor... Ah, é pela flor que ansiamos um
dia.
Fontes e referências:
- Facebook e as milhares de janelas que se abrem a partir dele.
- Vagabundos Iluminados
Foto do Pedro Chaves |
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